30/11/2021

O Fogo e as Cinzas

   “Após meia hora de marcha, parou num cruzamento, junto dum sobreiral. Era por ali que Zabela havia de passar se fosse ao Monte da Carrusca. Meteu o carro debaixo da copa rala de um enorme sobreiro, de forma a que as muares ficassem menos expostas ao calor violento do Sol, e sentou-se no chão com as costas apoiadas ao tronco da árvore. Sempre atento ao caminho que entrava pelo sobreiral, acendeu um cigarro, impassível e imóvel, de expressão parada, aguardando, sem que o seu espírito obstinado desse mostras de impaciência ou o corpo de cansaço. 
    Àquela hora, na agreste solidão dos campos, sequer uma asa cruzava o céu esbranquiçado e trémulo de lume. No entanto, pressentia-se vagamente o aparecer da tarde: a calma esmorecia um pouco e a sombra dos troncos alongava-se pela terra gretada e poeirenta. A espaços, as mulas sacudiam a cabeça, afastando as moscas, e as guiseiras retiniam, vibrantes, quebrando violentamente o profundo silêncio.
   De súbito, António de Alba Grande levantou-se; Zabela aparecera ao longe, por entre os sobreiros. Foi esconder-se atrás do carro – e, mal a rapariga chegou ao cruzamento, saiu a cortar-lhe o passo: 
     - Aonde vais?» 
Manuel da Fonseca – “O Fogo e as Cinzas”  – 1953

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