Partilho esta análise muito lúcida, corajosa e perspicaz do que somos, e do que nos trouxe até aqui, publicada na edição de 18 de Outubro do jornal "Correio do Minho". O autor, Prof. Oliveira Rocha tem publicado nos últimos tempos uma série de artigos que deveriam ser de leitura obrigatória para todos os que se interessam pelo presente e futuro de Portugal.
"Há mais de
cinquenta anos foi publicado um importante livro intitulado: Quem Governa? R.
Dahl procurou uma alternativa à visão marxista que via na classe económica
dominante a origem do poder. Por outro lado, não acreditava que as políticas
fossem determinadas pelos eleitores; criou desta forma a abordagem pluralista à
política, insistindo em que vários grupos de interesses competem na esfera
política e o papel do governo é funcionar como mediador entre esses grupos.
Relativamente a cada política concreta, nenhum dos grupos tem recursos para
decidir só por si; tem que fazer alianças. Ainda, segundo Dahl, os grupos são
mais efetivos que os indivíduos; a pluralidade de grupos assegura a competição
política; e o processo de negociação dificulta a aparição de extremismos.
Neste contexto,
as eleições visam fundamentalmente legitimar os grupos de interesses e não
determinar o sentido das políticas públicas.
Esta abordagem
comum a G. Sartori, R. Dahl, S. Huntington e J. Shumpeter, explica o que se passa
presentemente em Portugal.
Também aqui as
decisões políticas resultam da interação entre diversos grupos de interesses
que monopolizam o processo político. Só que no nosso país estes grupos não
competem entre si, são aliados, funcionando em rede; o seu pessoal circula de
grupo para grupo e casam-se entre si. Trata-se de uma classe dominante que suga
o país e que decide da nossa vida.
O centro da rede
é ocupado pela classe política, constituída pelos partidos que geram os
governos e a assembleia, os gestores públicos e a alta administração que
implementa as políticas. Mas, na verdade quer Passos Coelho ou Seguro são
apenas figurantes; eles dependem dos outros grupos de interesses e
presentemente das imposições dos credores.
Neste contexto,
os meios de comunicação social têm um papel importante que não se pode
confundir com o quarto poder. Desempenham algum controlo sobre os
comportamentos dos agentes políticos; todavia, este papel tem limites impostos
pela estabilidade e respeito pelos interesses instalados.
Por exemplo, o
Secretário de Estado das Finanças e Orçamento foi simplesmente assassinado
pelos comentadores políticos (Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e Correia
Campos), enquanto Rui Machete com um comportamento incomparavelmente mais
reprovável foi sempre desculpabilizado. E porquê? Porque é um dos “nossos” -
ex-ministro, gestor público, advogado de um grande gabinete e consultor dos
diversos bancos. A “pequena” falha do BPN é uma coisa de família em que é
melhor não tocar.
Os magistrados têm igualmente um papel importante na rede, já que gerem
politicamente os processos que envolvem os políticos. Ora investigam
agressivamente para pouco depois congelarem o seu andamento, ora deixam sair
informações para a comunicação social. E não falamos do Tribunal Constitucional
cujos juízes são escolhidos pelos partidos maioritários e contribuem
decididamente para a estabilidade deste sistema.
Em quarto lugar,
as grandes empresas de construção civil têm influenciado decididamente as
decisões políticas. Parte da crise atual pode ser explicada pelos arranjos das
grandes empresas da construção civil, com os bancos e o poder político. Estes
grupos de interesses tiveram ao longo dos últimos anos uma ação concertada que
desaguou nas parcerias público-privadas. Os bancos emprestavam o dinheiro, as
construtoras construíam, o Estado pagava a prazo e os partidos ganhavam
eleições. A crise financeira internacional veio pôr o fim neste arranjo.
Não nos podemos esquecer também dos grandes monopólios como a EDP, a GALP e
brevemente os Correios que absorvem parte dos ex-governantes e que impõem
rendas exorbitantes ao Estado, isto é, aos contribuintes.
Falta fazer uma
referência aos grandes escritórios de advogados que contratualizam estas
relações, ora representando o Estado, ora as grandes empresas. Em simultâneo,
redigem as propostas leis que a Assembleia e o governo sufragam. Como disse
atrás estes grupos detêm o poder. Não há conflitos porque isso geraria
prejuízos e porque parte do pessoal circula da política para as empresas e
destas para a administração dos bancos; por outro lado, são comentadores da
televisão, moldando o pensamento de cidadãos que absorvem embebecidos as suas
palavras.
Podíamos
acrescentar outros grupos de interesses como sejam as universidades. Apesar da
sua importância e do seu papel no desenvolvimento e inovação do país, foram
atiradas para uma posição secundária. Não admira que assim seja, porquanto
parte significativa da classe política é oriunda das universidades privadas com
cursos a la carte. De resto é significativo que o número de académicos na
superestrutura do governo seja pouco significativo.
Mas em
contrapartida, o núcleo duro dos grupos dirigentes vindos em grande parte da
Monarquia Constitucional (veja-se os Mexias, Ferreira do Amaral, Dias Ferreira,
etc.) tiram os cursos na Católica e na Nova, com mestrados em grandes
Universidade inglesas e americanas. Esta gente não brinca em serviço como fazem
os políticos, entretidos com os seus pequenos negócios.
É isto a nossa
democracia, suportada por uma classe média, criada pelos dinheiros europeus e
pela dívida externa. Mas agora que a Troika obriga a pagar aos credores, o seu
peso é fortemente reduzido pela diminuição de salários, aumento de impostos e cortes
de pensões.
O resto da
população é arrastada para a penúria e para o desemprego. Mas enquanto a
população paga a dívida, os grupos dominantes que gerem o país defendem-se,
mantendo o seu nível de rendimentos. Como diz o Primeiro-Ministro é necessário
que os portugueses não gastem mais do que o que produzem, regredindo vinte anos
no seu nível de vida."