17/12/2023

Contos

“Depois da noite em que perdera todos os seus bens na banca do cavaleiro, não voltara a tocar numa carta, mas, nos últimos momentos da sua vida, o jogo voltou a dominar-lhe a vontade. Enquanto o sacerdote, a seu lado, lhe ministrava a extrema-unção, preparando-o para a passagem deste mundo para o outro, dando-lhe o conforto da Igreja, falando-lhe de coisas espirituais, ele, na cama, de olhos abertos, murmurava entre dentes: “Perde…, ganha…”. Ao mesmo tempo, fazia com as mãos os movimentos de quem baralha e dá as cartas. Era em vão que Ângela e o cavaleiro se inclinavam sobre o leito, procurando acarinhá-lo. Não os reconhecia e, quando acabou por entregar a alma ao Criador, ainda repetia: “Perde…, ganha…”
E.T.A.Hoffman – “Contos” – 1812