18/08/2021

Serotonina

    “Lembrei-me de o arquitecto não ter parecido à vontade durante a minha visita, demorou-se o tempo estritamente necessário para me explicar o funcionamento das máquinas, dez minutos no máximo, e repetiu-me diversas vezes que o melhor era vender a casa, se tudo não fosse tão complicado, as formalidades notariais, etc., e sobretudo se tivesse a sorte de encontrar um comprador. De facto, deve ter passado um mau bocado nesta casa, um passado cujos contornos me eram difíceis de definir, entre o Marquês de Sade e o twist, um passado de que tinha de se desfazer, sem que com isso abrisse a possibilidade de um futuro, mas o conteúdo desta ala, em todo o caso, não evocava nada que pudesse ter encontrado na casa de Clécy, era outra patologia, outra história, e quando voltei para a cama estava quase sereno, tanto quanto, no meio das nossas tragédias, nos tranquiliza a existência de outras a que fomos poupados."
Michel Houellebecq – “Serotonina” - 2019