24/07/2019

Desertos Emocionais

“As periferias gozam de uma beleza para a qual não foram construídas. Foram construídas para serem espaços sem interesse, sem afecto, sem amor. E, apesar disso, há uma beleza que sobressai. É claro que há problemas, mas o número de pessoas com desejo, com um brilho nos olhos, é imenso. Nasci na periferia de Génova, na periferia oeste, onde está a classe operária. Cresci com essa ideia, toda a vida trabalhei nas periferias. Se não formos capazes de transformar as periferias em lugares urbanos, será um desastre, porque os centros das cidades vão tornar-se cada vez mais pequenos museus, centros comerciais a céu aberto, totalmente gentrificados, e as periferias irão tornar-se descontroladas. Esta é a causa nos próximos 50 anos.”
Entrevista a Renzo Piano – Revista do Expresso n.º 2422 de 30-03-2019

13/07/2019

Primeiro Amor, Últimos Ritos

“Desde o princípio do Verão até começar a parecer absurdo, púnhamos o colchão fino em cima da mesa de carvalho pesada e fazíamos amor em frente da grande janela aberta. Havia sempre uma brisa ligeira a soprar no quarto e os odores das docas quatro andares mais abaixo. Era assaltado por fantasias contra minha vontade, fantasias acerca do pequeno ser, e depois, quando ficávamos deitados de costas na mesa enorme, nos silêncios profundos, ouvia-o correr e arranhar de uma forma quase imperceptível. Tudo aquilo era novidade para mim, sentia-me inquieto e tentava conversar com a Sissel para me tranquilizar. Mas ela não tinha nada para dizer, nunca fazia abstracções nem discutia situações, pois vivia dentro delas. Ficávamos a contemplar o rodopio das gaivotas no nosso quadrado de céu e perguntávamo-nos se elas também nos estariam a ver; era desse género de coisas que falávamos, hipóteses ligeiramente divertidas sobre o momento presente.” 
Ian McEwan – “Primeiro Amor, Últimos Ritos” - 1975