29/05/2021

O Coração das Trevas

   “Uma noite entrei na cabina, de vela na mão, e surpreendi-me quando o ouvi falar com voz ligeiramente trémula: - «Estou deitado aqui, nas trevas, à espera da morte.» A luz não se encontrava a mais de um pé dos seus olhos. Esforcei-me por murmurar: - «Que disparate!», e debrucei-me para ele, pregado ao chão. 
   Eu nunca tinha visto, nem espero tornar a ver, coisa parecida com a transformação que se dera nos seus traços. Não, emocionado eu não estava. Estava fascinado. Como se um véu se tivesse rasgado. No marfim daquele rosto vi uma expressão de orgulho sombrio, indomável poder, de abjecto terror – de um desespero intenso e sem esperança. Naquele supremo instante, de integral conhecimento, estaria ele a reviver a vida em todo o pormenor, com os seus desejos, tentações e renúncias? Deu um grito sussurrado a uma imagem qualquer, a uma visão qualquer – gritou duas vezes, um grito que não passava de sopro… 
    «O horror! O horror!» 
Joseph Conrad - "O Coração das Trevas"  - 1902

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