“Noite de Ano Novo chinês. Meio
oculto no vão da porta, e imperturbável, o herbanário assiste ao espectáculo
das ruas: homens e mulheres passando, eufóricos, com o ramo de pessegueiro
erguido alto, como meninos pequenos segurando a amarra dos papagaios. Vão ao
pagode apresentar oferendas, trocam presentes entre si, compram bolos pesados e
enjoativos, comem e bebem, jogam jogos de azar, amam. Nessa noite o herbanário
não existe. Morrer fica para o dia seguinte. Morrer ou sofrer – que ainda é
pior. O herbanário, pessimista e ateu, não tem nada com aquilo, nada com eles,
de momento. Não o vêem nem o querem ver. Que masque as suas folhas e rumine os
seus lúgubres pensamentos na sombra da loja. Rebentam com mais estrondo os
panchões. O ar vai ficar completamente limpo à meia-noite, hora marcada para o
nascimento do ano, quando o relógio da praça deixar cair solenemente as doze
badaladas. Kung Hei Fat Choi – Festas Felizes!”
Maria Ondina Braga - “A China
Fica ao Lado” - 1976
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