“Também havia uma arcada de
sobrancelhas como céu todo a passar por baixo, verdadeiro céu de violação,
rapto, lava, tempestade, raiva, quer dizer céu teologal ao máximo. Um céu em
arco alto como a trombeta dos abismos, como cicuta bebida em sonhos, um céu
contido em todos os frascos da morte, o céu de Heloísa acima de Abelardo, um
céu de apaixonado suicídio, um céu que tinha as raivas todas do amor.
Era um céu de pecado
protestante, pecado que o confessionário retinha, pecado como os que pesam na
consciência dos padres, verdadeiro pecado teologal.
E agradava-me.
Ela servia numa taberna de
Hoffmann, mas criadinha devassa e ramelosa, devassa e mal lavada criadinha.
Passava por água os pratos, fazia despejos e camas, varria quartos, sacudia baldaquinos
e despia-se à frente da janela como todas as criadas de todos os contos de
Hoffmann.”
Antonin Artaud – “A Arte e a Morte” - 1985