"Nessas noites, antes, nessas
manhãs, pois a queda produz-se ao romper da alva, eu saio e parto, numa marcha
impetuosa, ao longo dos canais. No céu lívido as camadas de penas adelgaçam-se,
as pombas sobem um pouco, uma claridade rósea anuncia, ao nível dos telhados,
um novo dia da minha criação. No Damrak, o primeiro elétrico faz tinir a sua
campainha no ar húmido e toca a alvorada da vida nesta extremidade desta
Europa, onde, no momento, centenas de milhões de homens, meus súbditos, se
arrastam penosamente da cama, com a boca amarga, a fim de irem para o trabalho
sem alegria. Então, pairando em pensamento por cima de todo este continente que
me está submetido sem o saber, bebendo a luz de absinto que sobe, ébrio enfim
de ruins palavras, sinto-me feliz, sinto-me feliz, proíbo-o de não acreditar
que me sinto feliz, que morro de felicidade!
Oh, sol, praias, ilhas sob os alísios, juventude cuja lembrança desespera!"
Oh, sol, praias, ilhas sob os alísios, juventude cuja lembrança desespera!"
Albert Camus - "A Queda" - 1956
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