06/05/2022

Lanzarote

    “Eu não gosto de mim. Tenho pouca simpatia por mim e ainda menos estima; além disso, não sou muito interessante. Conheço as minhas principais características desde há muito e acabei por me cansar delas. Em adolescente, e mesmo já jovem adulto, falava de mim, pensava em mim, era como se estivesse cheio de mim; já não é o caso. Ausentei-me dos meus pensamentos e basta a perspectiva de ter que contar qualquer episódio pessoal para me sentir imergir num tédio semelhante à catalepsia. Quando sou absolutamente obrigado a isso, minto.
No entanto, paradoxalmente, nunca me arrependi de me ter reproduzido. Poder-se-á mesmo dizer que amo o meu filho e que o amo mais ainda cada vez que reconheço nele vestígios dos meus próprios defeitos. Vejo-os manifestarem-se no tempo, com um determinismo implacável, e isso alegra-me. Alegro-me sem pudor por ver repetirem-se, e assim eternizarem-se, características pessoais que nada têm de especialmente louvável; que muitas vezes até são desprezíveis; que, na verdade, não têm outro mérito senão serem minhas.”
Michel Houellebecq – “Lanzarote” - 2000

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