“…enquanto a tarde continua a arrastar a aldeia para oeste e
os urubus-de-cabeça-preta começam a aparecer em cima das copas de umas árvores
baixas, só que Denise é loura e Nadia é morena, belíssimas as duas, uma de
sessenta e um e a outra de sessenta e quatro, oxalá estejam vivas, pensa, com o
olhar fixo não nas fotos do livro mas na linha do horizonte onde os pássaros se
mantêm num equilíbrio instável, corvos ou abutres ou urubus-de-cabeça-preta, e
então Belano recorda um poema de Gregory Corso, onde o infeliz poeta
norte-americano falava do seu único amor, uma egípcia morta há dois mil e
quinhentos anos, e Belano recorda o rosto de menino da rua de Corso e uma
figura de arte egípcia que vira há muito tempo numa caixinha de fósforos, uma
rapariga que sai do banho ou de um rio ou de uma piscina e o poeta beat (o
entusiasta e infeliz Corso) contempla-a do outro lado do tempo, e a rapariga
egípcia de longas pernas sente-se contemplada, e isso é tudo, o flirt entre a
egípcia e Corso é breve como um suspiro na vastidão do tempo, mas também o
tempo e a sua distante soberania podem ser um suspiro, pensa Belano enquanto
contempla os pássaros nos ramos, silhuetas na linha do horizonte, um
eletrocardiograma que se agita ou abre as asas à espera da sua morte, da minha
morte…”
Roberto Bolaño - conto "Fotos" incluído no livro "Putas Assassinas" – 2001