27/08/2025

Searching Records

A Searching Records surgiu em finais de 2004, associada à realização do 1.º Out.Fest, festival dedicado às artes e à música, realizado na cidade do Barreiro. No entanto, a intenção de criar uma editora já estava na mente de Rui Dâmaso e Vítor Lopes desde que começaram a tocar juntos nos Frango, por volta de 2001/2002. A firme vontade de descobrir e mostrar a grande quantidade de boa música e bandas que surgiam por todo o lado, associada à necessidade de ter uma plataforma editorial para lançar os trabalhos discográficos dos Frango, foram as motivações principais para a fundação da Searching Records. O nome da editora surgiu de uma discussão sobre como descrever a música dos Frango às outras pessoas, que não se restringisse ao habitual post-rock ou outras etiquetas similares, pelo que passaram a anunciar os seus concertos como “searching rock”. Nessa sequência, como se sentiam confortáveis sob essa classificação, o nome da editora acabou por surgir com naturalidade, pois correspondia ao sentimento que perseguiam na música.
Movidos pelo amor obsessivo pela música, gradualmente foram construindo uma identidade própria para a etiqueta. A primeira edição da Searching Records foi a compilação "BRR LO-FI" constituída por 12 temas de outros tantos projectos que estarão ligados aos registos seguintes lançados pela editora, como os Frango, PCF Moya, Barcos, entre outros.
A segunda compilação editada pela Searching foi "Animal Repetitivo", lançada por ocasião do 2.º Out.Fest em 2005 e reunia novamente 12 projectos como: Caveira, Debut, Frango, Phoebus, Fish & Sheep, Lemur, Lobster, Stash, etc., num novo retrato de uma geração de músicos aberta à experimentação, à electrónica, improvisação e muito marcada pelo rock mais libertário, onde também gravitavam bandas como os Loosers, Calhau, Tropa Macaca, Danse Damage, Gala Drop, entre outras.
As edições da Searching Records, maioritariamente gravadas em CDR em tiragens muito limitadas, que podiam ir dos 20 até aos 100 exemplares, eram feitas à mão, numa lógica "do it yourself" muito devedora do espírito do punk. De referir ainda, que o split CD dos Frango com os Dansse Damaje foi editado numa parceria entre a Lovers & Lollipops e a Searching Records. Manter uma editora deste género, implica enfrentar dificuldades ao nível da divulgação num panorama onde existe um excesso de oferta de música e informação e também com questões monetárias, que dificultam o lançamento de novas edições, mesmo apesar de serem gravados poucos exemplares. Portugal é um país sem um circuito estabelecido de concertos para este tipo de música e há poucas pessoas que adquirem estes discos e que assistem aos concertos que se vão realizando, apesar de existirem muitas pessoas talentosas a fazer música. Em 2007 e 2008, a Searching Records apresentava um plano ambicioso de edições: um disco do violoncelista francês Thomas Charmetant, um disco do duo Manuel Mota e Afonso Simões (dos Fish & Sheep), um disco de One Might Add, uma split tape entre os Frango e os americanos Burnt Hills, um disco do italiano Stefano Pilia, uma tape de Osso, e um 7” em vinil dos Aquaparque, entre outros. Infelizmente, o último lançamento da Searching Records foi a edição de 100 exemplares da tape de Heatsick, projecto do inglês Steven Warwick (dos Birds of Delay), que constituiu o único lançamento de um artista estrangeiro pela editora.
Entretanto a Searching Records foi extinta e em sua substituição foi fundada em Janeiro de 2009 a OUT.RA – Associação Cultural, que assumiu a responsabilidade da produção do Out.Fest - Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro.
Publicado originalmente no agora defunto blogue Under Review em 03 Julho 2011.

12/08/2025

A Bigger Splash

David Hockney - 1967 - Tate

30/07/2025

Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule

Depois tive de trabalhar no duro, e aí fiquei e nunca fiz mais nada. Nem viagens, nem nada. Passei a minha vida toda a arrumar a casa e a limpar a merda dos miúdos e a merda dos velhos de quem tomo conta. Só fiz asneiras. Ela pensava ter cometido erros, ter vedado o caminho, sem verdadeiramente o desejar, a um destino melhor, uma vida mais fácil e mais confortável, longe da fábrica e da preocupação permanente (ou antes: a angústia permanente) de não gerir como devia o orçamento familiar – um único passo em falso podia conduzir à impossibilidade de comer no final do mês. Ela não compreendia que a sua trajetória, aquilo a que chamava os seus erros, fazia, pelo contrário, parte de um conjunto de mecanismos perfeitamente lógicos, quase regulados previamente, implacáveis. Não se dava conta de que a sua família, os seus pais, os seus irmãos, irmãs, até os seus filhos, e a quase totalidade dos habitantes da aldeia, tinham conhecido os mesmos problemas, que aquilo a que chamava, portanto, erros não era na realidade senão a mais perfeita expressão da ordem normal das coisas.”
Édouard Louis - “Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule” - 2014

17/07/2025

Eyeless in Gaza

"Ten people, including six children, have been killed in an Israeli air strike while waiting to fill water containers in central Gaza on Sunday, emergency service officials say.
Their bodies were sent to Nuseirat's al-Awda Hospital, which also treated 16 injured people including seven children, a doctor there said.
Eyewitnesses said a drone fired a missile at a crowd queuing with empty jerry cans next to a water tanker in al-Nuseirat refugee camp. The Israeli military said there had been a "technical error" with a strike targeting an Islamic Jihad "terrorist" that caused the munition to fall dozens of metres from the target."
BBC.com/news - 14-07-2025

16/07/2025

Pan

“Sinto-me contente por estar só, por ninguém poder ver os meus olhos. Estou encostado à parede de rocha em segurança, sabendo que ninguém me consegue ver pela retaguarda. Uma ave desce em voo picado sobre a aresta da falésia com um grito requebrado; nesse mesmo instante, um pedregulho ali perto solta-se e rola até ao mar. Eu permaneço imóvel naquele sítio por um momento, cedendo às minhas inquietações; sinto um frémito quente de conforto interior por estar ali agradavelmente abrigado, enquanto a chuva se precipita sem cerimónias à minha volta. Abotoo o meu casaco, agradecendo a Deus pelo calor que me proporciona. O tempo corre mais um pouco. Eu acabo por adormecer.”
Knut Hamsun - “Pan” - 1894

10/06/2025

Trabalhos e Paixões de Benito Prada

“Foi assim: a guerra acabou, um homem matou a tiro o presidente Sidónio Pais, e Veleda, de luto como muitas outras mulheres por todo o país, despiu a blusa de setineta e a saia no quarto de Benito Prada, que a achou mais fogosa ainda que Do Céu, para ser desflorada num queixume sem lágrimas que se confundiu com o riso e a música. Nunca o galego ouvira retratar esta maneira de uma mulher se vir cantando.
Achou-a linda, linda e bárbara. Veleda, órfã de pai, declarou que o seu maior gosto era ter um filho de um homem com princípios. Benito alugou casa em Montarroio, instalaram-se, compraram mobílias, uma camilha com braseira e um fogão a lenha, de um quarto interior ele fez escritório mas não punha lá os pés: todas as horas livres, mesmo as do almoço, de que nem queria ouvir falar, eram gastas em jogos de amor.”
Fernando Assis Pacheco - "Trabalhos e Paixões de Benito Prada" - 1993

13/04/2025

A Linha de Sombra

 
"A tarde pusera-se extremamente mortiça. Durante vários dias seguidos, surgiam nuvens a pouca distância, volumes brancos em volutas enegrecidas, tocando as águas, imóveis, quase sólidas, e não obstante, mudando de aspecto de momento a momento. Por altura do cair da noite, regra geral, desapareciam. Mas naquele dia estavam como que à espera do sol posto, que cintilou incandescente e se foi extinguindo numa labareda vagarosa antes de submergir por inteiro. Com a sua pontualidade fatigada, as estrelas reacenderam-se por cima das borlas da mastreação, enquanto a atmosfera permanecia, contudo, asfixiante e parada."
Joseph Conrad - "A Linha de Sombra" - 1917

25/03/2025

23/02/2025

A Um Deus Desconhecido

"A calma voltou a apossar-se dele e o medo desapareceu. «Vou subir ao rochedo e dormir um pouco», disse. Sentiu uma pequena dor no pulso e ergueu o braço para ver o que era. Tinha-se cortado numa fivela da sela; o pulso e a palma da mão sangravam. Olhando a ferida, a calma tornou-se mais firme em volta dele e a solidão separou-o do bosque e do resto do mundo. «Pois vou subir ao rochedo», disse. Trepou-lhe cuidadosamente pelo flanco íngreme até que ficou estendido sobre o musgo alto e fofo do cimo do rochedo. Depois de descansar uns momentos, agarrou de novo na faca e, com cuidado, suavemente, abriu as veias do pulso. A dor, a princípio, foi aguda, mas em breve esta sensação se atenuou. Joseph olhava o sangue que borbotava e ia escorrendo sobre o musgo e ouvia o clamor do vento em torno do bosque. O céu estava ficando cinzento. O tempo rolou e Joseph ficava cinzento também. Estava deitado de lado, com o pulso estendido, e baixou os olhos para a longa cordilheira negra do seu corpo. Este começou a tornar-se enorme e leve. Subiu ao céu, e dele começou a cair chuva em torrentes. «Eu devia ter sabido», suspirou Joseph. «Eu sou a chuva.»"
John Steinbeck - "A Um Deus Desconhecido" - 1933

11/02/2025

27/01/2025

O Último Cabalista de Lisboa

"O Rossio abria-se como uma ferida infetada inçado de enxames de pessoas vociferantes. Apinhavam-se em volta de carruagens enfeitadas, giravam pelas grandes arcadas do Hospital de Todos-os-Santos, debruçavam-se em risadas das varandas e dos beirais das janelas. As gaivotas descreviam grandes círculos no céu, soltando gritos agudos. Um maltrapilho dançava, fazendo com que o pus das suas pústulas cheias de crostas lhe escorresse para os pés. «Mordido por uma tarântula», gritou-me uma velha de pele curtida. «Não pode parar, nem sequer para aquilo!» E riu-se até se engasgar com um furioso ataque de tosse.
Acima das cabeças da multidão, viam-se subir colunas de fumo espesso em frente da Igreja dos Dominicanos. Foi o calor da emoção que me fez avançar. Voltar atrás nessa altura seria como fugir a Deus em pessoa. Ou do Demónio no momento em que ataca. E só os santos possuem esse poder."
Richard Zimler - "O Último Cabalista de Lisboa" - 2013

26/11/2024

Campo de Ténis


Taipas - Guimarães - Dezembro de 2022

01/11/2024

Cheio de Vida

“Passei a palma da mão no mesmo sítio. Quase desmaiei quando os dois altos me pressionaram a mão. Então era verdade: tínhamos concebido um monstro. Cambaleei até ao piso de baixo. Na pequena divisão onde tínhamos o telefone, junto à cozinha, naquele recanto, fiquei de pé, no escuro, com a cabeça contra a parede, e comecei a chorar de novo.
Agora muitas coisas eram claras, o passado era revelado como um caixote do lixo que se despeja. Porque não era culpa da Joyce. A sua vida tinha sido pura, imaculada. Mas os anos pré-maritais de John Fante foram anos insensatos com namoros confusos. Não faltava motivo para corar; houvera pecados, pecados graves, e, algures neste remoinho nefasto, o castigo fora semeado e agora estava na altura de ceifar a colheita maldita.”
John Fante – “Cheio de Vida” - 1952