03/09/2012

Pergunta ao Pó

“Uma noite, uma mulher demasiado bela para este mundo passou por mim nas asas do perfume e eu rendi-me totalmente, e nunca soube quem ela era, uma mulher de casaco de raposa vermelha e chapeuzinho atrevido, e o Bandini seguiu-a, pois era mais bela do que um sonho, viu-a entrar no Bernstein’s Fish Grotto e continuou a observá-la, em transe, através do vidro de um aquário onde nadavam rãs e trutas, a observá-la enquanto ela comia sozinha; e quando ela acabou de comer, queres saber o que eu fiz? Não chores, porque ainda não ouviste nada, porque eu sou horrível, mulher, e tenho o coração cheio de tinta negra; eu, Arturo Bandini, entrei pela porta adentro do Bernstein’s Fish Grotto e sentei-me na mesma cadeira onde ela tinha estado sentada e estremeci de prazer e toquei o guardanapo que ela tinha usado e vi uma ponta de cigarro com uma marca de batom, e queres saber o que fiz, mulher, tu, com esses teus estranhos problemas? Meti a ponta de cigarro na boca, mastiguei-a, tabaco, papel e tudo, e engoli-a, e soube-me muito bem, porque a mulher era tão bela, e havia uma colher ao lado do prato e eu meti-a ao bolso, e de vez em quando tirava a colher do bolso e levava-a à boca, porque ela era lindíssima. Um amor económico, uma heroína disponível e de borla, tudo para o negro coração de Arturo Bandini, uma imagem recordada através de um aquário cheio de rãs e trutas.”
John Fante – "Pergunta ao Pó" - 1939