"O Rossio abria-se como uma ferida infetada inçado de enxames de pessoas vociferantes. Apinhavam-se em volta de carruagens enfeitadas, giravam pelas grandes arcadas do Hospital de Todos-os-Santos, debruçavam-se em risadas das varandas e dos beirais das janelas. As gaivotas descreviam grandes círculos no céu, soltando gritos agudos. Um maltrapilho dançava, fazendo com que o pus das suas pústulas cheias de crostas lhe escorresse para os pés. «Mordido por uma tarântula», gritou-me uma velha de pele curtida. «Não pode parar, nem sequer para aquilo!» E riu-se até se engasgar com um furioso ataque de tosse.
Acima das cabeças da multidão, viam-se subir colunas de fumo espesso em frente da Igreja dos Dominicanos. Foi o calor da emoção que me fez avançar. Voltar atrás nessa altura seria como fugir a Deus em pessoa. Ou do Demónio no momento em que ataca. E só os santos possuem esse poder."
Richard Zimler - "O Último Cabalista de Lisboa" - 2013
Richard Zimler - "O Último Cabalista de Lisboa" - 2013
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