“Após meia hora de marcha, parou num cruzamento, junto
dum sobreiral. Era por ali que Zabela havia de passar se fosse ao Monte da
Carrusca. Meteu o carro debaixo da copa rala de um enorme sobreiro, de forma a
que as muares ficassem menos expostas ao calor violento do Sol, e sentou-se no
chão com as costas apoiadas ao tronco da árvore. Sempre atento ao caminho que
entrava pelo sobreiral, acendeu um cigarro, impassível e imóvel, de expressão
parada, aguardando, sem que o seu espírito obstinado desse mostras de impaciência
ou o corpo de cansaço.
Àquela hora, na agreste solidão dos campos, sequer
uma asa cruzava o céu esbranquiçado e trémulo de lume. No entanto,
pressentia-se vagamente o aparecer da tarde: a calma esmorecia um pouco e a
sombra dos troncos alongava-se pela terra gretada e poeirenta. A espaços, as
mulas sacudiam a cabeça, afastando as moscas, e as guiseiras retiniam, vibrantes,
quebrando violentamente o profundo silêncio.
De súbito, António de Alba Grande levantou-se;
Zabela aparecera ao longe, por entre os sobreiros. Foi esconder-se atrás do
carro – e, mal a rapariga chegou ao cruzamento, saiu a cortar-lhe o passo:
- Aonde
vais?»
Manuel da Fonseca – “O Fogo e as Cinzas” – 1953