30/07/2025

Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule

Depois tive de trabalhar no duro, e aí fiquei e nunca fiz mais nada. Nem viagens, nem nada. Passei a minha vida toda a arrumar a casa e a limpar a merda dos miúdos e a merda dos velhos de quem tomo conta. Só fiz asneiras. Ela pensava ter cometido erros, ter vedado o caminho, sem verdadeiramente o desejar, a um destino melhor, uma vida mais fácil e mais confortável, longe da fábrica e da preocupação permanente (ou antes: a angústia permanente) de não gerir como devia o orçamento familiar – um único passo em falso podia conduzir à impossibilidade de comer no final do mês. Ela não compreendia que a sua trajetória, aquilo a que chamava os seus erros, fazia, pelo contrário, parte de um conjunto de mecanismos perfeitamente lógicos, quase regulados previamente, implacáveis. Não se dava conta de que a sua família, os seus pais, os seus irmãos, irmãs, até os seus filhos, e a quase totalidade dos habitantes da aldeia, tinham conhecido os mesmos problemas, que aquilo a que chamava, portanto, erros não era na realidade senão a mais perfeita expressão da ordem normal das coisas.”
Édouard Louis - “Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule” - 2014

17/07/2025

Eyeless in Gaza

"Ten people, including six children, have been killed in an Israeli air strike while waiting to fill water containers in central Gaza on Sunday, emergency service officials say.
Their bodies were sent to Nuseirat's al-Awda Hospital, which also treated 16 injured people including seven children, a doctor there said.
Eyewitnesses said a drone fired a missile at a crowd queuing with empty jerry cans next to a water tanker in al-Nuseirat refugee camp. The Israeli military said there had been a "technical error" with a strike targeting an Islamic Jihad "terrorist" that caused the munition to fall dozens of metres from the target."
BBC.com/news - 14-07-2025

16/07/2025

Pan

“Sinto-me contente por estar só, por ninguém poder ver os meus olhos. Estou encostado à parede de rocha em segurança, sabendo que ninguém me consegue ver pela retaguarda. Uma ave desce em voo picado sobre a aresta da falésia com um grito requebrado; nesse mesmo instante, um pedregulho ali perto solta-se e rola até ao mar. Eu permaneço imóvel naquele sítio por um momento, cedendo às minhas inquietações; sinto um frémito quente de conforto interior por estar ali agradavelmente abrigado, enquanto a chuva se precipita sem cerimónias à minha volta. Abotoo o meu casaco, agradecendo a Deus pelo calor que me proporciona. O tempo corre mais um pouco. Eu acabo por adormecer.”
Knut Hamsun - “Pan” - 1894