01/11/2007

DAVID SYLVIAN - Blemish

“Blemish” surge em 2003 produzido durante um curto intervalo de um mês, na sequência de uma paragem nas gravações do álbum dos Nine Horses. David Sylvian, num momento de mudança e transição na sua vida pessoal, que ocorre em simultâneo com o fim da longa ligação à editora Virgin, sente-se compelido a fazer um disco que rompe com o seu trabalho anterior e que vai inaugurar a sua editora pessoal.
As músicas resultam de sessões de improvisação realizadas em estúdio. Metade do disco é gravado completamente a solo e o restante com a decisiva colaboração do falecido guitarrista Derek Bailey e do austríaco Christian Fennesz.
O disco abre com a faixa que dá nome ao álbum, um “tour de force” de quase 14 minutos. A electrónica compõe o cenário seco e despojado sobre o qual David Sylvian canta no seu tom de barítono intimista. O ambiente é hipnótico e sombrio, de uma beleza etérea e glacial. Guitarras tratadas em desvario free. Absolutamente estarrecedor.
A segunda faixa "The Good Son" começa com umas notas esparsas da guitarra de Derek Bailey. As palavras saem a custo e muito lentamente. Sylvian desconfortável num spoken cheio de gravidade. Espasmos de guitarra omnipresentes apontando em direcção incerta. Tudo num equilibrio muito frágil e instável.
Em "The Only Daughter", Sylvian entoa uma espécie de mantra. Parece uma tentativa esforçada de se convencer que o fim da relação é inevitável. A base electrónica abstracta, cheia de estática a flutuar pontua uma atmosfera um pouco claustrofóbica. Os cortes, interferências e avarias alastram gradualmente para a voz deixando todas as fracturas em carne viva.
Na quarta faixa “The Heart Knows Better”, Sylvian parece discorrer sobre o quotidiano doméstico e familiar. As palavras surgem arrastadas num fundo de guitarras e digitália. A vida privada, a impossibilidade de comunicar e por fim a solidão num monumento de emoções e intimismo.
"She Is Not", é um pequeno apontamento de 43 segundos com a guitarra de Bailey a introduzir tensão por trás da lenga-lenga entoada por Sylvian.
Na faixa "Late Night Shopping", o ritmo é marcado pelo bater de palmas dolente, electrónica cheia de efeitos e no final a voz de Sylvian tratada e com reverb. Uma atmosfera sombria, de desconforto e aborrecimento. Pop, mas de outro planeta.
Em "How Little We Need To Be Happy" Sylvian encaixa magistralmente a vocalização no improviso de guitarra oferecido por Bailey.
A última faixa "A Fire In The Forest" pontuada pelas electrónicas de Fennesz é de um optimismo muito relutante, com Sylvian a terminar com os versos "There is always sunshine above the grey sky, I will try to find it, yes I will try."
“Blemish” é um daqueles discos difíceis que pode causar desconforto mesmo em alguns admiradores da obra de Sylvian. Não encontrando genealogia directa nem na obra anterior nem em lado algum, uma espécie de filho ilegítimo apenas comparável a discos inclassificáveis como “Rock Bottom” de Robert Wyatt, “Laughing Stock” dos Talk Talk, “Dynamite” de Stina Nordenstam e “Tilt” de Scott Walker. “Blemish” é um ovni estranho ao princípio, mas que gradualmente se entranha e vicia. Aqueles que tiverem a ousadia de entrar neste novo universo serão recompensados com um dos mais surpreendentes e inspirados discos editados no séc. XXI.
SamadhiSound, SS001 - 43'45" - 2003
Blemish // The Good Son // The Only Daughter // The Heart Knows Better // She Is Not // Late Night Shopping // How Little We Need To Be Happy // A Fire In The Forest // Trauma (bonus track Japan Edt).
Produced, composed, performed, mixed, engineered by David Sylvian, except tracks 2/5/7 guitars Derek Bailey. Composed by Derek Bailey and David Sylvian. Track 8 electronics and arrangement by Christian Fennesz. Cover portrait: Atsushi Fukui.

David Sylvian (concerto no Theatro Circo – Braga - 23/10/2007)
foto:
psombra

1 comentário:

António Caeiro disse...

No CCB foi definitivamente anulado
:(