15/01/2022

A Arte e a Morte

“Também havia uma arcada de sobrancelhas como céu todo a passar por baixo, verdadeiro céu de violação, rapto, lava, tempestade, raiva, quer dizer céu teologal ao máximo. Um céu em arco alto como a trombeta dos abismos, como cicuta bebida em sonhos, um céu contido em todos os frascos da morte, o céu de Heloísa acima de Abelardo, um céu de apaixonado suicídio, um céu que tinha as raivas todas do amor.

Era um céu de pecado protestante, pecado que o confessionário retinha, pecado como os que pesam na consciência dos padres, verdadeiro pecado teologal.

E agradava-me.

Ela servia numa taberna de Hoffmann, mas criadinha devassa e ramelosa, devassa e mal lavada criadinha. Passava por água os pratos, fazia despejos e camas, varria quartos, sacudia baldaquinos e despia-se à frente da janela como todas as criadas de todos os contos de Hoffmann.”

Antonin Artaud – “A Arte e a Morte” - 1985

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