19/08/2018

Fiesta

“Ao fim da rua vi a catedral, e avancei para ela. Quando pela primeira vez a vira, achara a fachada horrenda, mas agora agradava-me. Entrei. Estava escura e sombria e os pilares iam por ali acima, e havia gente rezando, e cheirava a incenso, e havia algumas janelas maravilhosas. Ajoelhei e desatei a rezar e rezei por toda a gente que me lembrei, por Brett e Mike e Bill e Robert Cohn e por mim, e pelos toureiros todos, em separado por aqueles de quem gostava, e em massa o resto; depois rezei outra vez por mim, e, enquanto rezava, dei comigo cheio de sono, e rezei logo para que as touradas fossem boas e as festas fossem bonitas e para eu pescar alguma coisa. Pus-me a pensar se havia mais por que rezar, e pensei que gostaria de ter dinheiro, e rezei para ganhar uma data de dinheiro, e depois pensei em como o havia de ganhar, e pensar em ganhar dinheiro fez-me lembrar o conde, e comecei a pensar onde estaria ele e a ter pena de não o ter tornado a ver desde aquela noite em Montmartre, e numa coisa cómica que Brett me contara acerca dele, e, como durante este tempo estava de joelhos com a testa nas costas do banco da frente e me considerava rezando, senti-me um pouco envergonhado, e lamentei ser um tão safado católico, mas verifiquei que não havia nada a fazer, pelo menos por algum tempo, talvez para sempre, mas que era, apesar de tudo, uma grande religião, e eu apenas queria sentir-me crente, o que talvez me acontecesse para a próxima vez; e saí para o sol ardendo nos degraus da catedral, e o indicador e o polegar da mão direita ainda estavam molhados, e senti-os secar ao sol. O sol estava quente e forte, e atravessei para umas casas, e regressei por ruas laterais ao hotel.”
Ernest Hemingway – “Fiesta” - 1926

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