07/04/2010

A cultura e a salsicha

Em recente entrevista à Time Out Porto, Adolfo Luxúria Canibal respondendo à questão do que faz falta em Braga, apontou a escassez de oferta cultural e de massa crítica na cidade. Quando questionado sobre o que há de bom em Braga, o vocalista dos Mão Morta foi mais eloquente: “- Braga é uma cidade boa para morrer. Uma pessoa não fica com muitas saudades da vida, não é?”.

Contrariando este cenário mórbido traçado por Luxúria Canibal, o estaleiro cultural Velha-a-Branca propõe-se realizar “um evento totalmente inovador”, uma produção em vídeo (“lip dub”) de divulgação da actividade cultural da cidade de Braga. O vídeo que se prevê que venha a envolver 400 participantes será divulgado na internet e servirá de ensaio para outras realizações idênticas que sublinhem as potencialidades culturais da cidade. Os promotores asseguram que “o envolvimento de tanta gente no projecto, constitui, por si só, uma garantia da sua publicitação”. Prometem também não se ficar por aqui, pois se esta primeira experiência correr bem Braga Barroca, Teatro Circo, Câmara Municipal, Sporting Clube Braga, Sete Fontes, entre outros, podem justificar novas produções “lip dub”.

Há uns anos atrás, quando estavam na berra, não as redes sociais da internet, mas os recordes do Guinness, o Snack-Bar “Rampinha” em Maximinos empreendeu diversas jornadas gloriosas totalmente inovadoras e com o intuito de levar bem longe o nome de Braga – confeccionou a maior francesinha do mundo. Devido ao grande êxito da iniciativa, seguiram-se mais façanhas: o maior prato de marisco, o maior cachorro especial e o maior prato de petiscos do mundo. O autor destes feitos, que mereceu até o apoio da Região de Turismo Verde Minho, assegurou à comunicação social que mesmo em tempos de crise "O povo gosta é de festa e de comer e beber".

Braga é um espanto, não é?

6 comentários:

Bourbonese disse...

É!... É a chamada massificação cultural. Uma verdadeira revolução... Abraço.

Luís Tarroso Gomes disse...

Se a Velha não tivesse um passado de cinco anos de organização de eventos culturais, alguns deles marcantes, até perceberia a tua crítica. Assim não percebo.

Em Braga muita gente gostaria de contrariar os horizontes curtos da gentes da nossa cidade que o Adolfo Luxúria critica (e bem, como sempre). Mas há quem vá tentando contrariar e há quem se fique pela crítica.

Vê o resultado da filmagem e diz lá, sinceramente, se acrescenta alguma coisa ou se é só uma reedição dos records do snack bar Rampinha...

http://www.youtube.com/watch?v=D6-d8ouFy3E

Fico à espera!

erradiador disse...

Caro Luís,
Antes de mais, agradeço a tua visita e o respectivo comentário. Peço igualmente desculpa pela resposta tardia ao repto que deixaste, embora não devas entender isso como falta de consideração, pois ficou apenas a dever-se ao facto de não ter reparado na existência de um novo comentário a esta mensagem.
Feitas estas considerações prévias, vamos ao que interessa:
- o passado, mesmo pejado de realizações marcantes, não pode servir para legitimar tudo o que a Velha-a-Branca faça no presente ou venha a fazer no futuro. O passado (seja ele de 5 ou mais anos) também não pode servir de lastro definitivo para isentar de críticas toda e qualquer actuação. Num contexto de progressiva e notória irrelevância cultural da Velha-a-Branca, será sensato tecer as críticas e as considerações julgadas pertinentes, muito mais do que dar simpáticas palmadinhas nas costas, acrescentando que está tudo bem e que se recomenda;
- relativamente ao trecho seguinte do teu comentário, certamente que não devo ser capaz de o entender em todo o seu alcance: quando o Adolfo Luxúria Canibal crítica no tom em que o faz a situação cultural vivida em Braga (na qual a Velha-a-Branca se insere) reputas essas críticas dizendo que são (sempre) boas críticas; por outro lado, não consegues compreender as minhas críticas precisamente quando elas vão no mesmo sentido das do Adolfo.
De igual modo, também não consigo alcançar o que pretendes afirmar com “Mas há quem vá tentando contrariar e há quem se fique pela crítica.” Como bem sabes, os que tentam contrariar e os que criticam são, em planos diferentes, aqueles que fazem alguma coisa e que demonstram alguma preocupação com a situação. Isso em Braga já é muito.
Por outro lado, se pretendias incluir-te nos que tentam contrariar a situação, incluindo-me a mim naqueles outros que se ‘limitam’ a criticar, podes faze-lo embora saibas que isso não corresponde minimamente à verdade. Participo, intervenho, organizo quando para tal sou solicitado e/ou mediante a minha vontade e disponibilidade no momento. Mesmo na Velha-a-Branca dei, enquanto cooperador e dirigente, o melhor que podia e sabia. Sai quando tinha que sair, abrindo espaço a outros que possam fazer mais e melhor. Saber sair e permitir a alternância democrática é uma virtude que muito prezo, mas para a qual nem toda a gente está devidamente sensibilizada.
- Por fim, o ‘lip dub’. - Afinal o que é aquilo? - É um acontecimento cultural? - Ou é mera propaganda travestida de cultura? - Contribui em que medida para mudar a situação cultural descrita e criticada em Braga? - Fazer não sei quantos ‘lip dub’ sobre tudo e mais alguma coisa, em substância serve para quê? - Para as pessoas se divertirem e terem um dia bem passado? – Mesmo que sirva para isso, é mero entretenimento e não cultura.

Luís Tarroso Gomes disse...

1. Como disse o Adolfo, Braga é uma cidade boa para morrer. Não é de agora essa qualidade da cidade, mas o tema é interessante e convido-te para organizares alguma coisa a esse propósito na Velha. Quem sabe um ciclo de conversas.

2. O problema não é a tua crítica, evidentemente. Tudo o que a Velha faz é criticável (embora a verdade é que é de facto muito pouco criticada - o que eventualmente pode dever-se tão-só à tal apatia generalizada). O problema está na tua crítica ser pouco séria. O título “A cultura e a salsicha”, a comparação implícita entre a Velha e o Snack-Bar Rampinha, a conclusão “Braga é um espanto, não é?” ou a associação entre as críticas do Adolfo e a iniciativa do Lip Dub (“contrariando este cenário mórbido o estaleiro propõe-se realizar”) são tiradas a meu ver desonestas porque exageradas e maldosas. Acima de tudo, como disse no outro comentário, porque a ideia é promovida por uma cooperativa com provas dadas na intervenção cultural. E se fosse a Casa da Música a fazer um Lip Dub Portuense? Era o mesmo que o Snack Bar Rampinha?

2. Não sei de onde concluíste que Velha promoveu o Lip Dub como receita mágica para os problemas culturais da cidade que o Adolfo descreveu.

3. (…) “não consegues compreender as minhas críticas precisamente quando elas vão no mesmo sentido das do Adolfo.” Não era pior informares-te melhor sobre a opinião do Adolfo…

4. “Participo, intervenho, organizo quando para tal sou solicitado e/ou mediante a minha vontade e disponibilidade no momento”. Muito bem! Quando solicitado e/ou tendo disponibilidade e vontade contribuis para alterar o panorama cultural. Como sabes muito bem, a Velha é também um grupo de pessoas que voluntaria e gratuitamente dispõe parte do seu tempo, com recursos próprios (e não dos contribuintes), a intervir culturalmente. Não percebo por que razão temos nós na Velha mais obrigação do que tu de mudar o estado das coisas. Ou, pela positiva, diria que na Velha estamos exactamente tão empenhados em criticar e mudar a cidade como tu estás. Podemos até parar e não fazer nada, não é?

5. A tua má vontade não te deixa ver bem mas para existir o vídeo escreveu-se um guião, ensaiaram-se inúmeras pessoas, ultrapassou-se o desafio do plano sequência de 5 minutos, estudou-se a fotografia dos planos, alterou-se a iluminação dos espaços, misturaram-se temas locais numa banda sonora, etc. Podia ser uma curta-metragem mas foi um lip dub. E talvez leve a música bracarense, a Velha e as suas actividades culturais um pouco mais longe. Daqui por uns tempos falamos.

erradiador disse...

Em momento algum comparei a Velha-a-Branca ao Snack-Bar Rampinha. Comparei, isso sim, uma situação concreta e específica, sem daí fazer qualquer tipo de generalização. A analogia baseou-se no seguinte:

1) RAMPINHA : objectivo - divulgação; utilizar um meio na “moda” naquele momento (recordes do Guinness); juntar muita gente (cerca de 600 pessoas); em caso de sucesso continuar na mesma senda (o maior prato de marisco, o maior cachorro especial e o maior prato de petiscos do mundo, etc.);

2) VELHA-A-BRANCA: objectivo - divulgação; utilizar um meio na “moda” naquele momento (redes sociais internet); juntar muita gente (cerca de 400 pessoas); em caso de sucesso continuar na mesma senda (Braga Barroca, Teatro Circo, Câmara Municipal, Sporting Clube Braga, Sete Fontes, etc.)

O facto de ter cotejado a entrevista do Adolfo Luxúria Canibal e o “lip dub” da Velha no mesmo artigo deve-se ao seguinte:

1) a publicação da entrevista do Adolfo e a notícia do “lip dub” foram coincidentes no tempo;

2) Se o Adolfo refere a escassez de oferta cultural e de massa crítica em Braga, e que a cidade não deixa saudades da vida, a Velha-a-Branca propunha-se realizar uma “produção em vídeo de divulgação da actividade cultural da cidade de Braga a nível global”. Ora, se a Velha se propõe divulgar a cultura que se faz em Braga, presume-se que existe cultura para divulgar e, que essa mesma cultura é digna de divulgação a nível global. Ou seja, o Adolfo critica a situação cultural de Braga nos termos exacerbados em que o faz, a Velha-a-Branca propõem-se divulgar essa mesma situação cultural a nível global.

Não tenho qualquer interesse especial pelas opiniões do Adolfo. Leio-o com a mesma atenção que te dispenso a ti e a outras pessoas cujas opiniões respeito e considero. No entanto, não reconheço ao Adolfo qualquer dom de infalibilidade, nem me revejo em muitas das suas posições. Apenas a título de exemplo, refiro a sua avaliação do trabalho do Paulo Brandão no Teatro Circo, que eu sempre critiquei e ele sempre elogiou, chegando mesmo a subscrever um abaixo-assinado (no qual foi acompanhado por ti) de apoio ao ex-director do TC. Mas em relação a esta matéria, os resultados são conhecidos de todos.

Em relação à minha má vontade, digo o seguinte: plantar (ou semear, conforme as opiniões) batatas também dá muito trabalho, exige algum conhecimento técnico, envolve diversos trabalhos preparatórios, implica o contributo de muita gente, fica condicionada à acção de diversos factores externos, destina-se a satisfazer uma necessidade básica, etc., mas é “só” plantar batatas, não é mais do que isso.
Nada me move contra o “lip dub” da Velha, apenas dei nota do meu espanto, numa circunstância em que a Velha-a-Branca praticamente não realiza qualquer iniciativa cultural digna de registo, que se tenha convocado uma conferência de imprensa para anunciar o “lip dub” atribuindo-lhe assim uma importância e uma solenidade (a Direcção aparece em peso nas fotos) que eu não consigo vislumbrar.
O objectivo do “lip dub” servir para “levar um pouco mais longe” a música bracarense, parece-me também inusitado: sendo discutível considerar A. Variações um artista bracarense, a sua canção “Estou Além”, bem como “Budapeste” dos Mão Morta são as músicas mais conhecidas e populares dos referidos autores - toda a gente as conhece, parecendo-me o propósito de as “levar um pouco mais longe”, no mínimo pretensioso e descabido. Mas o facto de serem muito conhecidas, não quer dizer que sejam as melhores, pelo menos no caso da dos Mão Morta, pois sendo uma música atípica no seu universo, esteve banida durante imensos anos dos alinhamentos dos concertos e chegou mesmo a ser rotulada por um dos elementos da banda como “rock atrasado mental”.

Dou por encerrado este assunto, não sem antes referir que foi divertido ver-te com aquele fato de Batman no “lip dub” da Velha.

Luís Tarroso Gomes disse...

Embora não concorde com muita coisa, esta última versão da tua opinião parece-me mais sensata. Mas vamos lá encerrar o assunto que eu tenho de ir semear batatas em plano sequência.

Duas notas apenas:
1. deliberou-se passar a chamar aos eventos da velha que envolvam muita gente "Eventos Rampinha"
2. dado que só gostaste do batman, não te vou desiludir... mas tal como na BD, o homem por trás do fato é um mistério