19/10/2007

A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estas vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrado, aos balcões de Palermo…” - George Steiner

Quando soubemos que a Brasileira comemorava em 2007 o seu centésimo aniversário, sentimos que a celebração desta efeméride, não nos podia deixar indiferentes. Estávamos a festejar um ano especial, uma data que também era, de certa forma nossa.
Este café que tem feito parte e é uma parcela importante das nossas vidas. Que tem sido um espaço privilegiado de acolhimento, de encontro, de aprendizagem, de emoções, de vivências singulares, de afirmação cultural e afectiva. Que é um lugar matricial, onde muitas vezes foi e é palco de episódios que preenchem algumas folhas brancas dos diários das nossas vidas. Tem algo de especial, de diferente, talvez o facto de combinar o “moderno” com o “antigo”, talvez a mistura do cosmopolitismo com o provincianismo, talvez a soma consciente (ou inconsciente) da eloquência com a banalidade, talvez a mistura do inconformismo com o marasmo, talvez a combinação de tudo.
A Brasileira tem sido moldada pelas pessoas, pelos empregados e donos, pelos seus ritmos e rotinas. É geradora de quotidiano, sistematiza os horários e os hábitos, configura o quotidiano, mas ao mesmo tempo, deixa sempre a possibilidade de acontecer o acaso. O peso da idade e a sua “patine”, não nos deixam enganar: - estamos perante um dos corações, perante uma das principais salas de estar da cidade de Braga. Que foi e é simultaneamente, testemunha directa e protagonista, fonte e guardiã de mapas de memórias, de utopias, das pequenas e grandes histórias da cidade, assumindo um incontornável estatuto de referência, um verdadeiro clássico.
Era o motivo e o momento certo para se prestar um tributo, para se oferecer uma mais que merecida prenda. Mas esta iniciativa devia ir mais além das homenagens habituais, das comemorações formais. Deveria ser um projecto paralelo, mais alternativo e genuíno, mais informal, que partisse da iniciativa dos frequentadores da Brasileira.
Depois de várias conversas à mesa do café surgiu a ideia de se organizar um projecto colectivo, em forma de fanzine, de número único. Como condição apenas ficou estabelecido o formato do fanzine e o número máximo de páginas de cada trabalho. Não se impôs limites à forma de abordagem, desde que fosse concretizável num fanzine. O trabalho podia ser individual ou colectivo, ser escrito em prosa ou poesia, ser um desenho, uma pintura, uma banda desenhada, uma fotografia, etc. Podia ser uma opinião, a manifestação de um sentimento, o contar um episódio, etc. sempre algo, que estivesse relacionado, de alguma forma, com a Brasileira.
Assim, foram convidados informalmente alguns frequentadores que marcam a geografia humana da Brasileira. Sem haver o intuito de convidar apenas “artistas”, os convites foram feitos, numa primeira fase, ao nosso círculo mais próximo, depois alargou-se a outras pessoas e aos empregados e donos do café.
Em resposta ao desafio proposto foram realizados vinte e cinco trabalhos originais, que agora apresentamos e constituem um panegírico colectivo, multiforme, fornecendo uma espécie de visão caleidoscópica do café. É um documento que materializa a nossa ligação a este espaço de cumplicidades e é um testemunho da forma peculiar de sentirmos este café, que vai mais além que a simples relação que existe, num qualquer espaço comercial.
Ricardo Fiúza, Set 2007

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