O Museu dos Biscainhos recebe de 19 de Maio a 19 de Junho a intervenção colectiva de um conjunto heterogéneo de artistas contemporâneos que se integra ao longo de todo o seu percurso expositivo.
Localizado no centro histórico de Braga, o museu é tutelado pelo Ministério da Cultura e está instalado num palácio setecentista cujas primeiras referências conhecidas são anteriores ao século XVII, tendo vindo a receber sucessivas alterações e ampliações ao longo dos séculos seguintes. É particularmente relevante no imóvel a convivência harmoniosa entre as influências barroca e neoclássica e o enquadramento desse conjunto arquitectónico com um magnífico e convidativo jardim que se desdobra em terraços distintos e surpreende os visitantes quando o descobrem em pleno coração da cidade.
A exposição permanente do Museu dos Biscainhos reúne, numa apresentação contextualizada que mimetiza o formato de uma casa-museu e que procura ser representativa do que seria a decoração interior de uma residência senhorial barroca dos séculos XVII e XVIII, objectos e colecções com origem diversa e exterior à ocupação original do edifício (adquirido vazio para a criação do actual museu em 1963). A multiplicidade de projecções históricas e pessoais associadas aos cenários e objectos propostos é assim reforçada de uma forma não intencional, embora esse efeito indirecto seja, de um modo geral, um aspecto expositivo irrelevante e pouco perceptível ao visitante. O objectivo deste projecto é convocar um outro olhar (literalmente “on the other hand”, o que justifica a não tradução do título) sobre essa elasticidade/invisibilidade de fundo emanada pelo museu (visto aqui, em referência às origens desse tipo de instituição, como um antigo “gabinete de curiosidades” actualizado como gabinete de elasticidades), relacionando-a com a vivência humana enquanto co-geradora voluntária e involuntária de uma persistência em grande parte invisível que se prolonga, acumula e interliga a longo espaço ao meio envolvente e às gerações futuras (ou quem sabe, potenciais próximas, para abranger igualmente uma possível coexistência de dimensões ou a hipotética ilusão desta em que vivemos). Uma persistência intangível e integradora, simultaneamente concreta e abstracta (e transversal ao conhecimento cientifico, à subjectividade e aos domínios do simbólico e da transcendência), que é aqui denominada sombra-clara (incorporando desse modo também uma vertente de co-responsabilidade individual e colectiva face à mesma) em analogia à natureza desconhecida e não detectável da matéria negra, cuja existência como “esqueleto gravitacional” é, no presente, uma dedução necessária da ciência para explicar a estabilidade e a sincronicidade de expansão do universo. E realçar assim a pertinência e a importância estruturantes que a consciência ética e holística desta ubiquidade de presença e interrelação pode assumir na promoção de uma maior proximidade e continuidade com o todo envolvente e consequentemente, na construção de um desenvolvimento mais afectivo e sustentável na diversidade.
João Acciaioli Catalão
Se é verdade que na natureza tudo conspira, é natural que conspire também tudo quanto de intangível se nos depara, modelando ou traçando a vida. Sabemos das coisas as suas relações imediatas com as pessoas que as produziram, com as pessoas que as utilizaram, mas isso não basta, as coisas podem confluir para uma relação menos apreensível e que se traça a partir dos meandros inescapáveis da coincidência, que será um outro modo de dizer a vontade nem sempre entendida que a natureza tem sobre todas as coisas do mundo.Se a natureza tem vontade sobre todas as coisas do mundo, o mais que fazemos é acender pequenas luzes que possam, aqui e acolá, deixar ver o que não estava a ser visto. Trazer para a claridade uma conexão entre cada ponto que possa, num dado momento, revelar presenças ao nosso espírito como antes não acontecia.
O Museu dos Biscainhos, detentor de uma colecção de objectos outrora desconexa, é o exemplo acabado da confluência de coisas que se tinham desligadas entre si e que, por aquela coincidência importante, que pode ser na verdade a vontade da natureza, revela relações preciosas que surgem ao nosso espírito e trazem à consciência o quanto nos escapa da regência natural das coisas.
Para pensar ou propor novas relações, a exposição que ora se apresenta busca habitar o Museu dos Biscainhos como intromissão pacífica no seu estado mais habitual e, porque tudo está em devir, muito do que se expõe temporariamente poderá apontar para pormenores da sua identidade que até agora se deixaram invisíveis. Para trazer ao de cima a identidade estranha que regula o somatório das peças que compõem o Museu, cada artista intervém do modo como o espaço, concebido nessa totalidade, lhe sugeriu intervir. Em prol de uma noção de museu vivo, onde cada coisa está à espera de ser completada uma e outra vez sem fim, numa espantosa pesquisa do extenso lastro das coisas, da elasticidade da sua existência e do tanto que ela pode implicar e vir a implicar.
valter hugo mãe
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