21/06/2024

02/06/2024

A Mancha Humana

“Encontra-se lá agora sozinho com Faunia, cada um a proteger o outro de todos os outros – cada um abrangendo, para o outro, todos os outros. Ali dançam, muito provavelmente despidos, ao abrigo da vida provações terrenas, num paraíso extramundano de luxúria muito deste mundo, no qual o acasalamento é o drama onde decantam todo o furioso desencanto das suas vidas. Lembrei-me de uma coisa que ele me contara ter-lhe Faunia dito no resplendor crepuscular de uma das suas noites, quando tanto parecia estar a passar-se entre eles. Ele dissera-lhe: «Isto é mais do que sexo», e ela respondera, redondamente: «Não, não é. Tu é que te esqueceste do que o sexo é. Isto é sexo. Sexo puro. Não lixes tudo fingindo que é outra coisa.»
Quem são eles agora? A versão mais simples possível de si mesmos. A essência da singularidade. Tudo quanto é doloroso cristalizado em paixão. Podem até já não lamentar que as coisas não sejam diferentes. Estão por de mais entrincheirados na indignação para se preocuparem com isso. Saíram de baixo de tudo quanto jamais se acumulou sobre eles. Nada na vida os tenta, nada na vida os excita, nada na vida mitiga o seu ódio pela vida como esta intimidade. Quem são estas pessoas radicalmente desiguais, tão incongruentemente aliadas ao 71 e 34 anos? São a tragédia para a qual foram intimadas.”
Philip Roth - "A Mancha Humana" - 2000